ENEM – Polêmico por Ser Polêmico ou Polêmico pelo Incômodo, por Marlon Leal Rodrigues
O ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio – é polêmico por ser um sistema que causa dúvida em sua proposta técnica, metodológica, abrangência política e social. Ou é polêmico por provocar algum tipo de “incomodo” ao sistema vestibular vigente? (sistema histórico de ingresso no curso superior no Brasil marcadamente pelos cursinhos pré-vestibular e preparatórios).
São duas questões importantes a serem pensadas porque desde a implantação do ENEM, as discussões são inúmeras e muitas das vezes a justiça é invocada para dirimir sobre algumas etapas do processo ou resultados, mas nunca para dirimir sobre o que talvez fosse essencial: a própria função social democratizante do ENEM que talvez em um futuro não tão distante se venha reconhecer enquanto maior processo de democratização de acesso ao ensino superior.
O ENEM 2012 ao que parece não foge a regra dos anteriores, pois, os processos estão se multiplicando não no que seria possível questionar, a própria existência do ENEM, mas alguns de seus resultados, em particular a prova de redação e a suposta clareza dos resultados e de processo.
É importante ressaltar que a própria existência do ENEM incomoda a toda uma “elite” dos chamados cursinhos pré-vestibulares e preparatórios que em grande medida procuram preparar os alunos para os chamados cursos “tradicionais” entre outros, com exceção dos cursinhos destinados as demandas das minorias populares. É essa condição que o ENEM vem descentralizando aos poucos uma vez que o acesso aos cursinhos pré-vestibulares e preparatórios em grande medida não abrangem os alunos das camadas populares ou alunos oriundos de escolas públicas. O ENEM inverte essa lógica.
Pode-se afirmar que o ENEM democratiza pela primeira vez o acesso a universidade pública e ainda abrange outras questões. Nesse aspecto ele se tornou um tipo de rival para alguns cursinhos pré-vestibulares e preparatórios, principalmente para os apostilados que são conhecidos nacionalmente considerando que em muitas escolas os apostilados viraram material didático e pedagógico. É uma questão política do acesso a universidade pública e não se pode negligenciá-la para tentar compreender alguns dos questionamentos sobre o acesso ao curso superior e público.
Uma das questões que vem à cena é a prova de redação entre outros pontos de controvérsia e questionamento que sempre é um discurso que se pretende ser contundente e descaracterizar o ENEM enquanto alternativa comprometida com as questões públicas abrangentes. Esse discurso diz respeito à defasagem entre o que se ensina nos cursinhos apostilados e a concepção que se espera no ENEM, ou seja, a defasagem é tamanha que os cursinhos tidos tradicionais estão com dificuldade de aprovar seus alunos para os cursos “tradicionais” ou estão aprovando em número menor dada a democratização promovida pelo sistema ENEM.
A diferença não é apenas de método, é muito mais teórica em relação a concepção de língua e o que dela decorre ou pode decorrer, pois, os esquemas, as regras e os chamados “macetes” dos cursinhos e apostilas ficam defasados em relação às concepções do ENEM que trabalha as competências do que se espera de uma redação enquanto competência linguística. Vale ressaltar a proposta de redação do ENEM é elaborada por especialista em linguagem: linguistas.
Esse é um ponto crucial das reclamações dos alunos que alegam irem muito bem nos cursinhos e não tão bem no ENEM, no entanto, eles não se queixam das concepções em si e nem é possível fazê-lo, mas sim do tipo de correção que não são as mesmas dos cursinhos, ou seja, os critérios e parâmetros são outros decorrente da concepção de língua adotada pelo ENEM.
Além da concepção e dos critérios de correção que são desenvolvidos por especialistas – linguistas -, há um outro ponto importante também desconsiderados propositalmente, é o processo de correção que passa cada redação. A nota é sempre resultado de consenso de três corretores ou mais. Vale ressaltar que no ano de 2012 houve cursos de qualificação e capacitação para corretores como forma de aprimoramento das concepções e critérios, condição que torna o resultado mais rigoroso do que já é.
As queixas dos alunos que em muitos casos a justiça acata concedendo liminares e recursos não abordam no fundamental que é a concepção que rege desde a elaboração, os critérios, correção e o processo de correção. Acredito que a justiça deveria ouvir menos questões secundárias, como o acesso ao resultado da correção ou a própria correção da prova sem falar em argumentos simplórios que os alunos defendem, como: “quando não estudei tirei nota boa, agora que estudei, tirei nota baixa”.
A decisão de conceder os recursos, prefiro acreditar que é muito mais por desconhecimento do processo e das questões que envolvem concepção de língua, critérios de correção e processo de correção do que propriamente posição política a favor dos descontentes que em grande a maioria são oriundos dos cursinhos e apostilados.
A maioria das críticas apresentadas na mídia ou as que a mídia dá maior destaque são aquelas que não apresentam nenhum fundamento teórico ou técnico relevantes em relação à concepção de redação ou correção, ou seja, os argumentos são sempre secundários de simplórios.
Parece-me muito elementar o pedido de vista nas redações, é como se ao ver a redação e sua correção o aluno iria ou poderia dizer que foi injustiçado ou não, discutir com os corretores, que são especialistas, e que sua nota seria revista a partir de sua reclamação consistente. Não se trata de querer negar aos alunos o acesso às provas, mas garantir acesso como em todo e qualquer concurso público do país deve ser uma prerrogativa e prática universal, mas não é o que parece.
Muito mais importante do que rever a redação corrigida ou ter acesso a ela, o fundamental seria para os alunos e para a própria justiça procurar compreender a concepção de língua, competência linguistica, critérios de correção, processo de correção, qualificação dos corretores e principalmente, o sistema que garante o processo de correção. No entanto, esses aspectos parecem que são ignorados em muita medida.
Não se quer dizer que tudo está acima de qualquer suspeita ou imune a falhas, no entanto, é necessário pontuar de forma consistente as possíveis falhas para que se possa aprimorar cada vez mais em prol da lesura e pontuar o que as falhas acarretaram ou acarretam de prejuízo para o aluno de forma consistente. Ressalto que o aprimoramento do ENEM representa o aprimoramento da democratização do acesso ao ensino superior público no país.
Nesse sentido, se não seja possível responder a questão: “O ENEM É Polêmico por Ser Polêmico ou Polêmico pelo Incômodo” (acredito que é polêmico por ser um incômodo) pelo menos seja possível discutir o ENEM em uma perspectiva diferente em relação ao que vem sendo questionado, discutir se as questões apresentadas de fato são questões fundamentais e bem consistentes ou não. Para finalizar seria interessante colocar outra questão: a quem interessa questionar sem fundamentação consistente e muitas vezes de forma leviana o maior sistema de democratização ao ensino superior público na historia desse país?
Prof. Marlon Leal Rodrigues
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